Precisamos valorizar a história de vida do outro. E eu sei que essa frase parece a introdução de só mais um blá blá blá de empatia…. e talvez até seja, rs. Mas preciso que você olhe essa situação por uma outra perspectiva.
Esses dias estava lendo uma reportagem na Revista Exame que tinha como título “Entenda como a meritocracia pode prejudicar sua carreira”. É um título bem forte e quando li me veio à cabeça: “Calma, meritocracia não é aquele rolê de recompensarmos o outro pelo esforço e pelos bons resultados?”
Em teoria, é isso. Na prática, tem várias coisas a se pensar.
Se você pensar bem, o discurso da meritocracia limita o sucesso de uma pessoa à, única e exclusivamente, ela mesma.
Temos que considerar o nosso contexto
Se estivéssemos falando de um país em que não houvesse um abismo social tão absurdo quanto temos aqui, talvez esse discurso padrão da meritocracia fosse algo a ser considerado (e olhe lá).
Mas por aqui as coisas são um pouco diferentes e precisamos colocar o contexto na conta.
Duzentos e vinte e cinco anos. Essa é a primeira frase que a reportagem cita sobre o tempo que um brasileiro nascido entre os 10% mais pobres levaria para alcançar a renda média do país — hoje de R$ 1.370,00. A conclusão é da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“Mas o que que tem isso com a meritocracia? Porque a pessoa tem dinheiro, ela é a culpada?”
Não diria culpada, mas privilegiada.
Por favor não leia com ranço
Pensemos em duas pessoas recém formadas em ciência da computação, ambos com experiência na mesma área dentro de uma empresa, se candidatando a vaga num projeto para desenvolver um software que auxilie e facilite a vida de pessoas que fazem atendimento ao cliente.
A primeira é formada numa universidade pública, fez intercâmbio na Alemanha, tem inglês avançado (fala, escreve, ouve e lê bem) e não tem experiência de trabalho porque seus pais tinham condições financeiras para auxiliá-la. A segunda pessoa é formada numa faculdade particular que conseguiu cursar com financiamento, nunca saiu do país, tem inglês intermediário (não fala, nem escreve, mas entende e lê bem porque a programação proporcionou isso) e sua única experiência é no call center que ainda trabalha porque precisa pagar as contas da sua casa e criar seu filho.
Eu não sei quem você escolheria, mas a maior parte das empresas com certeza chamaria a primeira pessoa para trabalhar nesse projeto.
Afinal, ela não tem filhos, fez universidade pública, tem intercâmbio e inglês avançado.
Entretanto, a segunda pessoa é a que talvez pudesse proporcionar um software que fosse mais adequado, mais eficiente e proporcionasse uma melhor experiência para seus usuários, pois ela sabe quais são as dores de alguém que trabalha com atendimento ao cliente. Além disso, inglês se aprende, não é mesmo?
Precisamos valorizar a história do outro.
O foco não é tirar o mérito da primeira pessoa. Ela se esforçou para conseguir entrar numa universidade pública, fazer um intercâmbio, fazer um curso pago de inglês.
O que se questiona é porque, entre as duas pessoas, a segunda pessoa poderia ser eliminada já na primeira fase, a de análise de currículo.
(A reportagem que citei conta com várias histórias como essa aí de pessoas reais, vale a pena ler).
Ao desconsiderarmos as vivências de alguém, sua raça, seu gênero, sua orientação sexual, suas condições financeiras, além de não estarmos respeitando a história de vida dela, estamos privando elas de oportunidades.
Por isso, é importante considerar a desigualdade de oportunidades antes de falarmos sobre meritocracia.
Então vamos fazer um acordo? Da próxima vez que estiver avaliando os méritos de alguém, tente se colocar no lugar do outro para poder encarar as coisas por outra perspectiva.
Alessandra Fernandes
Educadora | Química | Artista | Mestranda em educação | Colaboradora na Palombina
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